La farfalla

Liz Confrizzi

Tuesday, December 06, 2005

Farfalla

Hoje ela sente que nenhuma música lhe toca ou soa bem aos ouvidos. E também não há poema que lhe sirva. Qualquer lugar, de todos os lugares, uma lagoa no meio do mundo, uma casa cheia de gente, um café em Paris, um bar em Sambaqui, em nenhum a farfalla cabe. Mas é só hoje, quando sente sua vida repetida, é só agora.

Thursday, November 03, 2005

Envaidecida

Quando eu li isso, na biografia do Tom Jobim, até pensei que a idéia era minha. Sempre penso nos dias de chuva, ou nos acinzentados céus, de quando nasceram esses homens assim. Só não sei porque o Tom não nasceu toninho, naquela época acho que ninguém sabia pra que tom ele ia dar:
"Chovia muito quando Tom Jobim nasceu. Ainda não eram as águas de março que fecham o verão, mas as de janeiro que o repartem ao meio. Janeiro, 25, 1927, onze e quinze da noite de uma terça-feira. Muita água caindo do céu, nenhuma saindo das bicas da rua Conde de Bonfim, no bairro carioca da Tijuca. "
(tá no site oficial: www.tomjobim.com.br)
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Colida está tendo espasmos de amor e prazer com el brazo, enquanto isso.
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Tuesday, October 18, 2005

É péssimo - mas interrompemos o horário nobre de Tirintina Colida...

mal, mal, mal, Urtulino achou que podia socorrer a mulher do corpo quente e se deu mal...
apareceu um pavoroso homem e declamou três tenras frases que tiraram Colida e Piemont do sossego:

"ves estas manos? han medido la tierra. han separado los minerales y los cereales ..."

- Ó, meu estúpido plagiador e mitomaníaco! Colida acendeu-se, reconhecendo os versos alheios (sim, eram o início de mais um poema de neruda) ao seu antigo homem "el brazo"!


Urtulino, já nessa hora apelidado por Brazo de Tutu, via-se despedaçado pela infâmia, pelo despojamento, pela quebra dos padrões polidos e educados del hombre que ali embebedava la farfalla.
(leitor desavisado e raro que aqui chegou, a saga de Colida está caminhando a passos de formiga, mas já estamos no sexto capítulo, portanto, se quiser acompanhar qualquer enredo, comece do começo lááá embaixo)

Wednesday, October 12, 2005

Gracias a la vida

Urtulino Piemont passava pelo seu mesmo caminho de todos os dias. Nem estranhou o corpo de mulher, ou os olhos secos e fechados que se perderam por ali e ficaram. Os passos e olhos de Urtulino apenas volveram ao ponto onde estava ela quando esbarraram com duas... três, ou quatro botellas del más precioso pisco sour que allí se quedaban...
Aí, aprumou as lentes dos óculos e prestou mais atenção à criatura que ali restava.
Metódico e minimalista, Piemont examinou o corpo e sentiu a temperatura daquelas carnes.
Calculou 41 graus, 41 graus e meio... 41 graus e 35 centésimos... fez a média aritmética e chegou a quarenta e um graus, duzentos e oitenta e três milésimos... na verdade a dízima era periódica, e ficou três minutos...três minutos e um terço... três minutos e quatro sextos... pensando em solução para a exatidão de seus cálculos. Desistiu e simplesmente concluiu que o pisco sour fizera mais uma vítima febrilus delirantis.
Urtulino era um palito engomado que escapara do paliteiro: homem-tripa também conhecido por vara-almofada. Tipo nascido na Basiléia, era descendente em decadência do filão dos Euler. Conta-se inclusive que Leonhard Euler, primo seu e matemático notável, era sua maior influência quanto ao interesse pelos cálculos, embora Urtulino tenha vindo ao mundo 185 anos e 22 dias após a morte do seu ancestral prodigioso.


Enquanto Piemont pensava e calculava, raciocinando a conta-gotas, Tirintina Colida sonhava e os versos que lhe dançavam na mente ébria eram algo de Violeta Parra:

"Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros, que cuando los abro,
Perfecto distingo lo negro del blanco,
Y en el alto cielo su fondo estrellado,
Y en las multitudes el hombre que yo amo."

Por quem rodeavam os pensamentos delirantes de Colida?
Nem Urtulino saberia calcular...

Thursday, October 06, 2005

Tirintina Colida - 1972-1996

(novamente aviso: a breve história de Tirintina Colida, segue, mas se não a conhece ainda, leia os post' anteriores, bye, bye, so long farewell)
Tirintina Colida morreu.
Pensou ter pisado numa poça de lama, e quando se deu conta, era seu sangue o que a circundava. Inundou-se de maneira trágica, rápida e hemorrágica no seu próprio vinho tinto, e tossiu sem ter tempo de ensaiar o último suspiro.
Havia quatro formigas ébrias bebendo pisco sour ali pelas terras sulforosas onde jazia Colida.
Elas conversavam tranqüilamente sobre a situação política latino-americana, a crise e o tempo dos regimes militares. Proseavam inicialmente naquele tom etílico e pouco emocionado, e, em pouquísimos minutos de assunto, choravam com as anteninhas encostadas, seus ombros que não tinham, pelos mortos, torturados, filhos e jovens desaparecidos naqueles dias.
E Tirintina ali, suas carnes vizinhas daqueles dois seres entristecidos e embrigados que eram os únicos a chorar no dia de sua morte.
Era apenas 22 de abril de 1996.

Wednesday, October 05, 2005

Golden Nuss


Tirintina Colida esqueceu até o seu nome após passar um mês e doze dias tolerando "El brazo".
Escapou-se sem nem dar tchau quando encontrou um corvo morto no caminho para sua casa. Por conta de sua inabalável fé em Paulo Coelho e nos sinais, não desprezou essa anúncio evidente de que "El brazo" já estava pra lá de passado.
Wonder nesse tempo não esquecera os olhos amendoados de Colida, pois nunca os tinha visto, claro! Já cantava outras canções, e encontrara Dijáva numa savana pelo sul da África, que sempre confundia com a África do Sul. Até hoje ninguém afirma com plena certeza qual foi o local do encontro. Os dois seguiram trocando uns uivos y otros sonidos por aí.

O sono bateu como vento nos olhos cansados de Colida, sonhou estar sobre as cordilheiras andinas. Talvez delirasse, embora ninguém tenha notado sinal qualquer de febre, nem mesmo um dos vinte e três homens que lhe tocaram o rosto naquele quarto de hora, este era médico. O suposto delírio era conseqüência da overdose de Golden Nuss, chocolate com amêndoas, que tentara ingerir até a morte, mas apenas lhe causara a pior das diarréias da sua vida.
(o sonho de Tirintina Colida foi fotografado, aí acima se pode ver até parte da asa da aeronave)

"Gracias a la vida
que me ha dado tanto"

Tuesday, September 20, 2005

No Wonder now!

(prezados visitantes escassos: recomendo ler primeiro o post anterior, pois o que segue é a continuação de uma história que terá continuação, provavelmente, após o meu retorno, abraços)
Tirintina Colida dançou, requebrou, gingou, e seu corpo era nada nos braços mudos ou nos risos cegos e entusiasmados de Wonder. Aquela noite teria sido medíocre se pudesse ser escrita em palavras piegas e batidas.
Mas passado o auge do entusiasmo, Wonder começou a chorar. Sua música tornou-se um grito lancinante e, de início, nem o Zé Maxixe - cara dos mais entendidos em matéria de dor, amor, transas, músicas, filhos, pais, guerras e negócios - saberia explicar a proveniência de tal mugido de terneiro seco, cego e sem o leite das tetas da sua divina mãe vaca.
Wonder parou, secou as lágrimas todas, uma por uma, como se estivesse recuperando todo o brio que lhe escoara, e sentou no chão, próximo a uma parede de vidro.
Lá, começou novamente a cantar, fazendo comentários descompensados de bicho fraco e desiludido após a derrota no duelo de gigantes, a cada verso da canção:

"I see the light of your smile - [but it doesn't bright on you]
Calling me all the while - [you're the great pretender]
You
are saying babyIt's time to go...
- [some other guy will touch your smile]
First the feeling's alright - [ok, I'm just an asshole]
Then it's gone from sight - [... hummm, ouyeahhhh aaaaahúuíiiii
snif snif...]
So I'm taking out this time to say - [listen, you'll
see me, despite I'll never see you...]
Oh if you really love me won't
you tell me.."
- ... [you'll never tell, there's no love, that's he
true...]

Wonder - completely non-sense !

Logo, logo, um desavisado da redondeza, mas muito conhecedor da natureza humana, desvendou o motivo do seu pesar: Tirintina estava às voltas 'con un hombre latino' qualquer. Não era um delírio, pero la chica encantóse por un hijo de Neruda, de quién no se sabe decir exactamente la historia. Era um poeta que plagiava alguns versos de Neruda, misturando-os com uma coisa ou outra do Ricky Martin, vez em quando pescava uma frase de Gardel, outra hora metia um "salve Pinochet" completamente impróprio, mas mantendo o alto nível de incoerência e dissonância. Mais um idiota disfarçado de intelectual dos que havia por aí, ou vice-versa. Colida era uma mulher farfalla, mas farfalla inculta e desapercebida das coisas do mundo. Voando foi e Wonder perdeu a vez para "El brazo" - o tal poetíssimo homem sem bigodes.
Seus versos parafraseados começavam na bunda e terminavam nos cílios, ou vice-versa, ninguém sabia mesmo se havia neles fim ou começo.

Mi hermosa claritirintina
Adórote como si un hechizo hubiera me tonteado
Y sigo con tu cuerpo, así tan emborrachado
Soy un bruto, y bebo la sangre tuya.

A sumidade - "El brazo" - iniciava em linhas como essa e ia descambando para "un, dós, trés, un pasito p'alante, Maria..." aí, nesse pé de briga, era chamar o Ney Matogrosso para engrossar o caldo e tentar apartar os ânimos de Tirintina, que era tola, mas não 100% tonta, e chiava nessa parte do poema.

Uma hora dessas tem mais!